Se eu tivesse a força que você pensa que eu tenho, gravaria no metal da minha pele teu desenho( Engenheiros do Hawai)

02 junho 2011

Hiperatividade

Hiperatividade

Alice fazia arte desde que sabia o que eram as coisas, passava horas observando tudo sem se interessar por nada, e era consumida por uma ansiedade que a fazia falar e falar sem parar. Na escola roía tudo que era lápis, arrancava tudo que era cabelo, e rasgava tudo que podia. No intervalo andava de um lado para o outro sozinha, e ate quando estava só não parava quieta,tinha olhos que mais pareciam faróis, olhava tudo e queria tudo,sempre perguntava e sempre continuava sem entender, viu seus pais serem chamados diversas vezes na escola,para serem alertados sobre o estranho estado de felicidade e inquietação de sua filha, e sempre os via sair sem entender, imaginem só,se eles adultos maduros que manipulam a verdade sem dó nem piedade, não julgavam felicidade em excesso doença e nem transtorno algum,o que Alice pensaria então ?.
Alice até tentou ser diferente, ser menos feliz, ser menos explosão, mas não adiantava, dois minutos depois lá estavam, os lápis roídos, os cabelos nas mãos e os papeis em pedacinhos recortados pelo chão, não deu outra, dona Jussara foi acionada; dona Jussara era a psicóloga da escola, mais conhecida como dona juju, o que nos leva a crer em uma grande doçura de pessoa, mas de doce só tinha o juju do nome, a sua fisionomia nos remetia a um desses personagens de filme sombrios, que surgem em uma névoa branca com um único objetivo, nos levar pra aquele lugar, e era isso que todas as crianças e adolescentes e adultos sentiam quando se deparavam com ela. Logo na primeira visita fitou os olhos grandes de Alice e com ar de sarcasmo disse que "olhos grandes você tem". Alice tremeu ate o cabelo e pela primeira vez na vida não teve vontade de se mexer, de falar, perguntar, questionar, analisar, ou pensar, Alice simplesmente parou por dois minutos, mas que pareciam uma eternidade diante daquela fisionomia, juju a olhou dos pés a cabeça e não esboçou reação alguma, então surgiu em Alice uma vontade imensa de falar, e falar e falar, ela se segurava, mas quanto mais tentava mais vontade tinha, e a vontade crescia e crescia e a consumia de uma forma que ate seus dedinhos dos pés começaram a tremer, e de repente vieram às primeiras palavras, juju a olhou surpresa e viu que por mais que a olhasse ela não parava, e falava sobre tudo que via, sobre a cor das paredes, sobre o formato das almofadas, sobre a professora de matemática, e sobre como e porque roía as unhas, falava sobre o tempo, sobre os pais e se mexia tanto que parecia dançar, tal estado de inquietação causou em juju uma fobia que quase a fez gritar, ela pegou suas canetas e seu bloquinho com margem azul, e escreveu, "d-i-a-g-n-o-s-t-i-c-o-u" e desde então tudo mudou, o tal estado de felicidade era chamado de hiperatividade e tinha ate tratamento, desde então os olhos grandes os questionamentos, e a vontade de falar ficaram cada vez mais contidos dentro de Alice, ela se tornou "normal" menos feliz, menos dançante totalmente igual, igual às Marias e os Joãos de sua escola, de sua rua, de seu universo, Alice era só mais alguém como muitos outros, e não foi mais feliz e não foi mais Alice, se tornou outras tantas Marias e outros tantos Joãos, curou- se de ser explosão, curou-se de ver tudo ao mesmo tempo, curou-se da vida que tinha.

AMANDA BRÁZ